Amor Proibido - Capítulo 1

“E seu anjo viu quando o outro vil os enganou” – No tingir de uma linha num papel ainda virgem, Gabriel, deu início ao fim de sua paixão mais forte. Ele era assim, sempre andava pelas ruas somando suas idéias e quando as harmonizava tratava logo de eternizá-las, deixando estas a salvo das chuvas do esquecimento – porque não havia hora ou lugar para que elas simplesmente ocorressem. E tendo terminado de correr a frase numa folha de rascunho, o jovem pôde então, retirar do bolso uma chave grosseira e muito pesada que servia para abrir a porta do imponente teatro de Barretos. Mas antes que colocasse a dita no trinco, decidiu guardar um segundo para si a fim de ficar olhando a volta.
O dia, apesar do ritmo imposto pela data, não parecia muito vivo. A cidade pacata localizada ao norte do estado de São Paulo, também era conhecida muito além do sertão, como a Terra dos Peões de Boiadeiro. O Chão Preto, apelido carinhoso que se repetia às bocas tal como eco em tempos de festa, sempre via a poeira saudosa de agosto se levantar feliz e expressiva a beijar o ar costumeiramente seco nessa época; pedaço doce do ano cujos ventos anunciantes sempre enregelam as faces todas; tornando vermelhos os narizes e os abraços mais aconchegantes. Todavia, ainda era maio, mês das noivas, como bem o sabes querido leitor. Mas, a despeito dos três meses que ainda faltavam para o seu aniversário, a cidade dava mostras que pouco se importava; pois, na grande maioria dos seus dias, vivia em frêmito constante, numa espécie de festa perpétua dentro e fora dos versos. Assim, como que embriagada desse espírito, a “terrinha”, de chão vermelho, assiduamente expirava um cantar doce que fazia o vento assobiar e as saias farfalharem em derredor das moças lindas; visão que sempre culminava com cabelos risonhos que corriam a se despentear, fosse qual fosse a data espelhada nos calendários.

O teatro de Barretos se erguia exprimido entre as avenidas dezessete e dezenove, dominando com sua imponência toda a atmosfera do lugar. Para lá, o jovem poeta seguia todas as manhãs para escrever e alinhar o que absorvia do mundo.
Gabriel, esquecendo-se de suas impressões, tratou logo de dar duas voltas na chave. A porta uma vez destrancada não foi difícil movê-la. Estava escuro ao principiar dos passos, tanto que ao ligar do interruptor, pupilas se contraíram ao extremo tentando acomodar a explosão da luz que, dissoluta, também dissolveu todo o breu.
“Ferino feriado! Eis que estamos novamente a nos abraçar”– pensou o jovem do alto dos seus raros dezoito anos ao mesmo que apertava o crucifixo de encontro ao peito. Naquele dia, dia de S. José Operário, também se comemorava o aniversário de sua ex-namorada, data festiva e indelével para ele fosse como fosse.
Um sorriso morno, sempre a contornar a boca de Gabriel, dissonava com as lembranças dela. Memórias que na sua maioria eram boas, certamente alguns dos melhores momentos de sua vida, antes do fim inesperado e doloroso. Tais impressões, quando vividas, todas as pessoas as levam inscritas nos olhos, já a essa altura, inquiridores e desconfiados. Mas a alma de Gabriel já havia experimentado o “tempo dos homens”, ou seja, um pouco mais de mim. Mesmo você, caro leitor, creio que também me tem na conta como um velho bochechudo que sobriamente sempre se encarrega de aliviar das almas o peso excessivo, notoriamente agregado a vários sentimentos confusos e manifestos, que riscam a face de todos ao fim de uma relação. Sim, Gabriel sentia que seu espírito estava um tanto mais solto, como se os ares do teatro que lhe beijavam a face.
O ar, antes aprisionado, corria agora confiante por todos os lados; como Gabriel fazia dentro de sua própria alma, uma vez que aquele mesmo ar, por muito tempo, ficara sem se mover; sentindo-se estagnado, pouco desvinculado do título de vento. O jovem, após a tempestade emocional por qual passou, sentia-se renovado, uma outra pessoa, um tanto mais feliz. Aprendera a se olhar com outros olhos, sentimentos mais confiantes o percorriam. Finalmente, havia entendido que um tempo para as suas próprias aspirações e desejos, era do que ele realmente precisava. Viver a sua vida; ter uma própria. E tudo isso lhe ocorreu depois que permitiu que antigas quimeras passassem por ele. Afinal, as pessoas necessitam transcender ao que são; conhecer novas formas de ver o mundo e a si mesmas.

Prólogo

Eu sou algo peralta que insiste a implicar no mundo dos homens o movimento do pensar. Sim, um reles observador, dotado dos mais altos conceitos empíricos[1] de que se tem notícia. Em suma, um contador de histórias, que pelos serviços prestados solicita de volta, como forma de pagamento, apenas o próprio nome. Mas não se preocupem de início com isso, ou a maneira de efetuarem-me a paga; eu saberei ir recebendo aos poucos. Por agora somente peço que cuidem em ler nas entrelinhas todo o viver que irá surgir entre Gabriel e Ingridy. Neste relato não se encontra o ano das ocorrências, pois não seria justo pontuar-lhe com algarismos romanos ou outros quais. Ademais, o teor não indica o pensar de uma época, sublima o de eras.
A vocês, leitores ávidos, basta que saibam apenas um pormenor[2] sobre este romance: numa segunda-feira, entre o ontem muito distante, o hoje de agora e o amanhã vindouro de tantos outros amanhãs, é que colocarei a primeira linha do enredo. Confuso, caro leitor? Só até que termine de me apresentar!
Eu que sou apenas um funcionário que se move por entre os velhos, sacia os jovens e ensina as crianças. São eles que sustentam os meus honorários, sempre mudando os rostos que não posso preservar indefinidamente, contudo, e, felizmente a mim, ainda ficam as histórias. Quem posso ser?
Sou um que de pequenas mentiras mostra a vida, criatura única que mente a data do próprio nascimento todas às vezes que contempla a eternidade e decide contar uma vez mais a mesma vivência. Uma pista lhes dou: foram vocês mesmos, leitores, que inventaram o conceito do meu nome. Criatura da Terra e não do Céu, – eu que lá não existo – aqui, chamam-me pelo nome: Tempo.
1 Baseado apenas na experiência, e não no estudo.
[2] Circunstância particular; particularidade, minúcia, minudência, miudeza.

Advertência

No momento em que uma pessoa começa a ler uma obra, uma forma diálogo entre o autor e o leitor se estabelece. Essa tal conversa só alcançará sucesso, ou mesmo uma possibilidade de entendimento, se for travada entre pessoas de uma mesma estatura intelectual.

O Autor

Benditos...

Benditos mesmo são aqueles que influenciam o pesar de nossa pena sobre o papel, conduzem nossa voz, ou nos fazem traduzir suas importâncias... Pois neles também estão muitos dos nossos pensamentos, nossas orações e nosso amor. Assim, enquanto o tempo caminhar e o passado existir, na alquimia do futuro, serão abençoadas.

O Autor