Amor Proibido - Capítulo 5


– Oi! Quero que conheçam Gabriel, que está ajudando com o meu papel, afinal de contas ele é o autor. – todas arregalaram os olhos – Gabriel quero que conheça: Carime, Samanta e Stefani, as minhas melhores amigas...
— São todas realmente lindas, mas o horário me bate – todas riram com a frase dita por ele. Gabriel ao perceber o que disse, mirou o chão e começou a sorrir também – Ah! Desculpem... Às vezes esqueço em que século estou. Também, ultimamente apenas tenho lido as tragédias de Shakespeare
... Espero que possamos nos encontrar novamente – completou olhando para Ingridy, ao mesmo que lhe entregou as e disse:
— Meninas, tchau!

Concluídas as despedidas, elas o acompanharam com os olhos – sem com isso os trazerem em silêncio. Pois esses são sempre falazes através da presença de quem tem urgência por conhecer. A escolta durou até que Gabriel desaparecesse pela porta depois de dar mais um último aceno. Todas no extinguir da imagem entreolharam-se e, antes que pudessem dizer qualquer coisa, lá estava Bruno surgindo através de uma das cortinas do lado direito do palco. Pelo jeito desleixado, tinha acabado de acordar. Não era alto e nem baixo, possuía rosto habitual se não fosse o cavanhaque que lhe alterava a imagem. Filho de pai negro e mãe branca de olhos azuis, era um homem de certa força física. A cor de sua pele era realmente muito bonita, entre os extremos que se beijavam no equilíbrio, era o Brasil. Dificilmente Bruno terminava de acordar em sua casa que a propósito ficava no sótão do teatro – uma vez que ele era um misto de caseiro e diretor –, dizia que gostava de fazer isso no banheiro do teatro. “Lá tem mais espaço que o meu” –, costumava explicar mostrando os dentes amarelados em favor dos cigarros; uma das poucas contradições de sua vida, já que nesse caso a história nos conta que Bruno teve no pai um mestre capoeira
. E quanto a ele próprio, tornou-se um exímio professor de roda e jogos. Não obstante, fosse como fosse, a sua vida era o teatro.
— Bruno, Bruno! – gritaram todas, no que correm em sua direção.
— Como você conheceu Gabriel? – interpelou Ingridy, em nada tentando esconder o interesse.
— Este pedaço de mau caminho! – remendou Carime a frase da amiga.
— Não se inflame, menina, pois de tão rubro que ficou o seu rosto, ninguém aqui duvida que você possa queimar com os lábios. – brincou Stefani rindo-se da cara furiosa que Carime fez. Samanta percebendo que o assunto já destituía fez um aceno para que Rans continuasse; quanto às amigas tagarelas, feriu-as com os olhos, como quem exige silêncio. Rans sem conseguir atinar o que ocorria primeiro perguntou:
— Como vocês conhecem Gabriel? Ele esteve aqui? – não houve respostas, apenas bochechas se contraindo as dar mostras de seus descontentamentos. Pela reação delas ficou evidente que sim. “Nossa como são impacientes essas meninas. E olha que são uns bons vinte anos mais novas do que eu. Quando chegarem na minha idade...” – disse para si mesmo balançando a cabeça – Ele é agora um bom e recente amigo, disto eu sei. Chegou aqui humilde e cabisbaixo, trazendo consigo um livreco dado a ele por um “copista habilidoso”.
— Vejam só, outro adorador medieval – inferiu Stefani, puxando briga com o diretor. As rusgas entre eles sobre qualquer assunto eram tão freqüentes quanto os rios caminham para o mar.
— Posso continuar?
— Se você não ficar citando textos de Shakespeare à medida que fala conosco...
— Como dizia, antes de ser interrompido – Rans mirou Stefani que sorria placidamente – a pedido seu, em boa letra de computador um digitador, amigo dele, trouxe para a luz os garranchos escritos. Por Deus! Uma letra horrível, registre-se aqui... Gabriel não respeita o tempo ou a mente, e tenta uni-los à medida que escreve. O resultado: é como se ele estivesse aguando a própria imaginação. A única diferença entre o real e o imaginário é que, no lugar do jardim, usa folhas, só que feitas de papel; e no lugar da água, letras ilegíveis.
— Nossa! Como o nosso diretor acordou inspirado esta manhã, não?
— Para com isso Stefani. – interveio Samanta antes que Rans quisesse responder a altura.
— Letra horrível não é meu caro Rans? Só ser for apenas à letra... – somou Carime a conversa, já fitando no gesto as amigas, um prelúdio das gargalhadas que viriam.
— Vamos comportem-se – gritou Ingridy tentando ocultar que também concordava com o comentário. Rans não gostava muito de ficar ouvindo mulheres falando de homens e logo interveio:
— Meninas, meninas, apenas sei que é um poeta e dele não há como não se afeiçoar. Tem hábitos que eu gostaria ver semeados a todos os cantos. Gentil no proceder, meigo no falar e atencioso no ouvir; também prestativo e solidário. Se tomam por verdade o que agora verto, ouçam: estava eu sentado aqui mesmo neste primeiro banco desconsolável, e, numa providência divina, olhei para trás; logo mais ali estava ele rabiscando e rabiscando. Eu nem sequer o tinha visto entrar. Olhei para o rapaz sem implicar por que um estranho estava folgadamente instalado aqui. Foi quando ele, percebendo o meu estado, perguntou-me qual era o motivo a dar curso a uma cara deveras carrancuda. Gargalhei de mim mesmo uns instantes e lhe disse que de uma peça de teatro precisava, posto quê, “o mestre de cerimônias”... – Rans ao terminar a frase sinalizou com os dedos voltados para Stefani a fim de indicar o uso de uma figura de linguagem e continuou – O dono do teatro, assim o exigia. Mas o problema era que eu não tinha dinheiro para contratar uma. Há pouco tinha gasto muito do pequeno lucro que acumulei com os novos equipamentos. Vejam vocês, ele sem me conhecer, afinal nunca nos vimos mais gordos, tirou por debaixo de seu braço aquele livreco de que lhes falei a princípio jogou-o em meu colo. Para minha surpresa e satisfação, adivinhem, tratava-se da peça que vocês estão a adorar: “Seres enamorados”.
— Em qual parte que você, meu amado Rans cita o passado de Gabriel neste triste relato? Vocês lembram? – questionou Ingridy as amigas a procura de apoio.
— Fala isso por que é rica – balbucia Rans para o nada, ou para si mesmo.
Com efeito, Rans nunca parou para se questionar quanto a vida do garoto. Mas, agora ponderando sobre isso, não via nada demais. Uma vez que se pode conhecer muito sobre uma pessoa apenas de se conversar com ela. Para o professor de capoeira e diretor do teatro de Barretos, informações pessoais ficam muito bem em fichas. Todavia a índole conta mais. Assim, se deu por satisfeito naturalmente.
— De Gabriel, realmente nada sei com profundidade, admito. Do que me coube apenas levo na conta a afeição que por ele simplesmente agora tenho. Porquanto em ato sincero, até hoje não me pediu nada em troca de sua mão estendida... – terminou Rans, sentindo-se um pouco réu num interrogatório sem juiz e direitos a defesa. O professor tirou do bolso uma escova e do outro o creme dental – Agora se me dão licença, preciso acabar de acordar.
— Tenho de ir, meninas! – anunciou Ingridy abruptamente as outras, enquanto Rans se afastava e espreguiçava, tudo ao mesmo tempo.
— Como se nem ao menos ensaiamos?! – interveio Samanta.
— Vocês realmente, hoje, ainda não. Agora a amiga de vocês aqui... – Ingridy sorriu, deu um beijo em todas, pegou os seus pertences. As amigas protestaram um pouco. Não, o termo não é bem este, caro leitor, reclamaram sim e muito. Todas as três vozes foram seguindo-a, atirando súplicas num primeiro momento; críticas num segundo e a óbito, por fim, ameaças. O que, como todo palavreado destemperado, a jovem disfarçava e não ouvia.
— Aquela garota tem ouvido mortos quando quer – disse aos goles Carime para as outras ao ver a furona fechando a porta atrás de si. Ingridy ganhou a rua dezoito como quem ganhara a pouco todas as razões para viver. Mal acreditava na sorte de ter sido a primeira a conhecer o poeta. Talvez isso fosse um aviso. Quem sabe um toque do destino. Ria muito, ria até de si mesma... e, interiormente, até um pouco de suas amigas. Não que fosse má ou fizesse pouco delas; Ingridy sinceramente as amava e confiava nelas. Cresceram juntas, conversando sobre os meninos, descobrindo-os e, por que não, disputando-os umas com as outras. O fato era que ela notou o modo que as amigas comiam Gabriel as olhos gulosos. E uma coisa assim, nem de longe podia ser desconsiderada – a aceitação é um bem muito difícil de ser conseguido, principalmente um consenso entre mulheres. Do mesmo modo, todas perceberam um certo romance pairando no ar. Por isso ela estava tão satisfeita com a vida. Havia vencido ali o jogo das mulheres. “Elas deveriam agora estar se roendo todas”, conjeturava Ingridy consigo mesma. Afinal, nenhuma mulher gosta de ficar em segundo plano. Mesmo estando entre amigas, todas continuam sendo mulheres, e, como tais, sujeitas as regras invisíveis do mundo feminino.

Amor Proibido - Capítulo 4

A porta do teatro bateu-se contra a parede num movimento uníssono ao sibilo inesperado de dobradiças corroídas de ferrugem; mover este que incorreu nos ares e os despertaram uma vez mais pela sala. A corta fogo em questão, posicionada ao lado direito do palco – no intuito de escoar melhor toda a gente ao final de uma apresentação – sempre respondia com violência ao mais leve estímulo de força que lhe aplicassem. E, claro, sempre jogava “o escândalo” que fazia nas costas de quem ousa-se abri-la... Ademais, os ecos derivaram teatro adentro nascidos do baque seco entre madeira oca e pedra, cujo estampido característico o poeta conhecia tão bem. Sobressaltado face ao estereótipo, e também por não estar esperando companhia alguma àquelas horas, Gabriel olhou curiosamente por sobre o ombro esquerdo à procura da fonte causadora do alarme.
A luz ao pé da porta ainda não se fazia suficiente, o que por um breve instante disfarçou a silhueta de quem se aproximava a passos cadenciados. O soalho impregnado de cera incolor era a única voz naquele teatro; ele chorava ante a passagem como se partes de seu corpo estivessem sendo furadas por uma agulha ininterruptamente e, por conseguinte, reclamassem por isso. Então, um vulto começou a se formar como se surgisse do nada. Destituída a princípio de cor e forma, uma silhueta foi tornando seu traços mais acentuados à medida que ia recebendo a luz das velas.
As cores começaram a brotar à forma e, como se fossem os primeiros raios da manhã caminhando sobre a terra, seguiam contornando o vestido que se deixava aos goles experimentar a leveza. De súbito, um corpo que não se afinava como as das modelos e tampouco se parecia as das pinturas antigas, começou a luzir-se diante de Gabriel.
A imagem parecia permitir a si mesma vislumbrar, deixando aflorar consigo e, de uma só vez, um pequeno e atrevido nariz a se completar sob sobrancelhas e olhos trabalhados como fossem feitos a lápis. Cada item seguia culminando numa soma tal, cujo resultado, caído à perfeição, o poeta nunca vira antes a enfeitar o relicário de um rosto feminino. Não obstante, o vigor maior vogava segundo o contorno incontinente de sua boca. Os lábios suscitavam ser tão amáveis que logo estimulavam a fissura. Eram como um fiorde, aqueles finos e delicados lábios, tão estreitos quanto profundos; um caminho donde, uma vez lá, não se deseja mais retornar. Gabriel, sem ar, afogou-se ali; posto que esses eram como a umidade ante a secura.
O jovem abriu um pouco mais as pálpebras. No íntimo a idéia de que uma ninfa nascera à sua frente não era de toda insana. Sim, uma ninfa, reforçou para si mesmo, daquelas descritas por fabulosos como Homero em seus épicos. O que posso dizer? Não menos que o poeta a provou à maneira de seus olhos claros, e, vendo-a, tornou a não acreditar. Quando obrigou-se a crer no que via, compreendeu, em todas as suas nuanças, o que pretendia dizer o outro (poeta) sobre a beleza quase divina da mulher nova que nas faces traz o frescor de menina.
Tais impressões, cuido em dizer leitor, que enraizaram-se nele como forças da natureza, essas que o homem não se dá ao luxo de negar, posto que está além de sua vontade bani-las; forças essas, volto a dizer, que o invadiram tão velozes e de modo repentino, quanto é o aparecimento de um tufão para o simples espectador. Visto que estas, idéias que são, assumem dimensões antagônicas quando encerradas numa folha ou guardadas na memória.
As folhas, queria crer Gabriel, se enchem facilmente com uma idéia quando alguém para lá as transferem. Com enfeito, esta mesma idéia que antes não tinha forma, passa a ocupar muito espaço contando tantos caracteres quantos forem possíveis o lápis escrever; tornando o que era pequenino muito grande. Então, conclui-se que, uma idéia ainda confinada à mente, ocupa lugar efêmero, diz-se até compacto. Porque se reduz a uma única quantidade no qual só se aprisiona o sentido. Em outras palavras, assemelha-se a trazer consigo um conceito que sabe-se verdadeiro, entretanto, tem-se dificuldade de explicar-lhe a forma.
A moça que estava diante de Gabriel se relacionava com os seus conceitos mais íntimos, no entanto, ele sequer ainda havia entendido isso, até vê-la. Toda a idéia de beleza que guardava dentro de si, estava em frêmito instante rabiscado em folha real, naquela pintura bem ao alcance dos olhos.
O destino que construiu Gabriel como pessoa até ali, jogando na equação de sua vida tantas variáveis quanto lhe foi possível, agora, dava mostras do resultado ímpar, e em imagem conseguido através de toda a interação de suas experiências.


Gabriel tornara-se somente olhos, janelas verdes quase pétreas registrando a cena. Todos aqueles meus netos (os segundos) de admiração e reflexão que a efeito pareceram nascidos de minhas filhas (as horas) terminaram silenciosos.
O ardor feminino que num primeiro momento manteve-se parada contemplando o teatro, talvez em busca de algum rosto conhecido, ainda continuava estancada à posição. O jovem, tendo os olhos nela, nem sequer percebeu que os sons pararam a sua volta, ou tampouco ao constrangimento que causava. O próprio pensamento destoou até extinguir o que antes parecia tão essencial – o motivo que a movera até ali. O poeta, então, sentiu que meu reflexo (o infinito) passaria por ele, e, em toda a extensão que o deslumbre permite.
A visão o agredia a maneira sublime. Gabriel vislumbrou uma jovem aparentando não mais de dezessete primaveras. Os cabelos castanhos como os dele vestiam-na como ramagens douradas até o meio das costas deitados ali como um véu, contrários ao rústico e similares a ceda.
A moça surgiu diante dele como se regressasse de uma longa ausência, trazendo no olhar amadeirado a alegria que sempre deixa as mulheres mais bonitas, o quê para o caso dela – reiterava o moço para si –, ela pouco precisava fazer quanto a isso. Então, como se decidisse trazer morte a hesitação, a jovem pôs-se a caminhar, saindo da inanição dos passos em direção a fileira do corredor central do teatro. Altiva, passou por Gabriel e o cumprimentou, para em seguida baixar os olhos rumo aos livros, algo enlaçados pelos braços cobertos só até os ombros. Todavia, o tom de pele levemente amorenado – que nos trópicos é tão somente mais um estado do amor – caía, apropriadamente, tal qual fina película a fim de esconder a vergonha que no interior sentia.
Ao perceber que estava sendo seguida à distancia, com movimentos mínimos, caminhou um pouco mais deixando escapar dúvidas e mostras de sua pequena confusão por estar sendo observada. Decidindo-se, enfim, sentou-se em uma cadeira não muito distante do palco.
A moça vagarosamente cruzou as pernas deixando à mostra um par de tornozelos grossos e bem torneados – para o delírio visual de Gabriel que sempre fôra fascinado por pernas como aquelas; ela, sem se deter, pousou os livros ao seu lado e, fitando os joelhos, tratou logo de arrumar o caimento do vestido impregnado de um azul celeste, quase tão claro quanto um céu despido de nuvens.

Aqui de novo, caro leitor, abro outro parênteses. Pois sendo quem sou, mais do que a sucessão dos anos, dos dias e das horas, irei me permitir por um página ou duas, um desafio tolo: imitar a maneira rebuscada de narrar o amor surgindo entre duas pessoas. Tal como fez Shakespeare com o seu Romeu e Julieta. Sei que ele não me quererá mal por isso. Afinal, fomos amigos! Sendo assim, voltemos a Grabriel e Ingridy...

Não havia maneira de negá-la. Aquela beleza envolta em mistério o aliciava tanto que não foi difícil para Gabriel notar os próprios olhos sorrindo novamente – e quem diria – em um dia que havia começado com lembranças tempestuosas e tristes. O rapaz, simplesmente, após observá-la por alguns instantes, não pôde ficar mais inerte frente à beleza cativante que o incomodava de certa forma. Na sua mente começou a surgir inúmeras dúvidas. “O que uma garota estaria fazendo num teatro em pleno feriado?” – perguntava-se – Contudo, atentou-se para o fato de que poucas vezes sentiu tanta luz fluir de uma pessoa, de uma mulher. Sem dúvida para ele, o dia que começara sem sol, débil pelas feições, agora, não mais jurava apenas denunciar o frio que o cinza estampado em sua face sempre trazia num dia como aquele. Havia alguma coisa a mais naquela manhã de maio em Barretos que o jovem poeta desconsiderara por muito tempo existir. Porém, ele sentiu necessidade de experimentar a presença langorosa dela.
Dentro de si algo mudava, como se raios luminosos começassem a incendiar-lhe a alma e, da obscuridade, o sol, na pessoa daquela linda menina, a tudo novamente iluminava; e iniciava por dar corpo, rosto e coração a emoções que julgavam já tão adormecidas.
Gabriel e a moça entreolharam-se vária vezes, ambos tentando fingir atenção ao trabalho que faziam. Mas dada às presenças insinuantes, uma vez que eram jovens e bonitos, nada mais conseguiram engendrar de suas causas e intenções primeiras.
O jovem tomado de um impulso fechou o livreco, caminhou até a fileira de bancos onde estava a garota, fitou-a um pouco, para só então libertar a gota que, sendo a primeira, precederia um mar:

— Boa dia, desculpe-me a intromissão, pois é fato que sua linda presença aqui ilumina mais do que as velas. E não reclamando disto gostaria de saber o porquê, tão graciosa presença, veio a este teatro quando todos que dele se servem já partiram?
— Talvez o mesmo que você... – respondeu a garota tentando disfarçar que gostou dos elogios elegidos a ela sob o disfarce de uma pergunta e continuou:
— Estou revendo um texto que preciso decorar em três dias. Como vê, sou uma atriz. Não seria você também um ator? Se não por que ficar num teatro quando todos que dele se servem já partiram? – completou a jovem pagando na mesma moeda e um sorriso de troco.
— Não, não. Não sou um ator, se bem que às vezes faço algumas pequenas participações. Mas, um poeta acredito que sim. Gosto de crer que sou protegido dos deuses da leitura e da beleza interior, cujo ofício é, e, assemelha-se ao do compositor que, fazendo amor com as notas consegue as organizar de tal maneira que estas se tornam delicadas e harmoniosas de se ouvirem; ou como meu “irmão” pintor que no riscar do pincel imita os sentimentos das formas e os imortaliza em telas... Claro que não tenho pretensões as belas artes, o meu alvo são as belas letras
[9]. Como vê, o que sou, senão o meu ofício?
— Nossa! Para alguém aparentemente novo, se expressa muito bem. Então me deixa ver se entendi, você é em conclusão um valoroso amante, não? Posto quê compõe, pinta e escreve-me com suas palavras em impressão... – ambos riram à sombra da ocasião, veja você leitor, corados de felicidade:
— Portando... – retomou a moça agora ali já com medo de que o silêncio momentâneo chegasse e os abraçasse:
— Se é um poeta, não fica difícil de deduzir que deva ser um daqueles jovens que se reúnem naquele sobrado conhecido como a Casa dos Poetas?
— Sim.
— Como entrou aqui? – inquiriu ela com os olhos faiscando de curiosidade, similar a um feitiço feminino.
— Sou um amigo do Bruno, seu diretor. Adoro vir e escrever no meu elemento, ver este palco, imaginar cada cena, sentir as pessoas prestando atenção silenciosa a cada frase dita, e, de cada pedaço, ir montando sua interpretação pessoal do que lhe é exposto. De fato é tudo muito mágico no teatro!
— É, realmente. – concordou a moça que dava mostras de estar gostando da conversa – Sabe, comecei a fazer teatro para preencher o tempo. Depois, fui me apaixonando. Relaxa-me muito fazê-lo. É onde tiro férias de meus problemas...
— Por que parou de falar? – inquiriu de pronto Gabriel, talvez também temendo que o silêncio entre eles se instaurasse. E arriscou:
— Sabia que tem uma voz agradável? – uma frase curta, mas forte; a jovem corou as bochechas sem perceber. E como disse, Gabriel temendo por uma situação pouco confortável, tratou logo de emendar um novo assunto:
— Que peça você está encenando?
— Enceno Enamorado... Conhece?
— Se a conheço? Eu a escrevi!
— Você está brincando comigo. Ora vamos, disse isso para me impressionar... Não? – a garota ficou muito séria e desfez o sorriso. Logo, já um pedacinho mais aflita, tentou concluir – Então você é...
— Desculpe! Esqueci de me apresentar... Sou Gabriel, criado e servo... – O jovem lembrou-se de uma das cenas que a menina mantinha no colo e beijou-lhe a mão.
— Meu nome é Ingridy Pelissari.
— Pelo sobrenome é importante aqui, não?
— Meu sobrenome não importa, porém acho que o seu deve ser... muito mais que o meu. Senão por que então, da minha pessoa você habilidosamente até agora ocultou? – devolveu Ingridy sagaz, pontuando o dito com um piscar do olho esquerdo.
Gabriel simplesmente adorou aquela mistura agressiva e articulada, mas ao mesmo tempo fina e delicada que se construía diante dele. A garota parecia saber o que queria. Não podia negar que gostou da maneira que ela reagia a ele.
Deve ser isso que é sentir a química – pensou – Quando tudo corre perfeito e sem estar pré-concebido.
A situação toda estava nascendo entre eles de maneira natural. E aquela era uma sensação muito boa de se experimentar novamente.
— Nada disso... quem me dera fosse assim... importante! – completou ele tentando voltar para a conversa, já que dentro de si muitas questões o percorriam tentando elegerem juntas um fórum – Meu sobrenome ainda não disse, e o evito até para evitar situações embaraçosas. A pronúncia é um pouquinho difícil. Mas como sei que num mar toda mulher se acaba em curiosidade, ai vai: chamo-me, completamente, Gabriel Van Engelshovem, que significa algo como: Gabriel, Anjo do Paraíso. Um presente para carregá-lo até depois desta vida. “Porque os nomes sempre cuidam de nos perpetuar. Faça bom uso do seu meu filho”, dizia-me mamãe. – a voz do rapaz foi-se esvaindo até que não pôde ser mais ouvida, e os seus olhos combinados tomaram rumo ignorado.
— Faz muito tempo que não ouço um filho se referir assim – maravilhou-se Ingridy, contornando-o com os olhos cada vez mais radiantes.
— Assim como?
— Mamãe... Hoje é tão raro alguém se referir às mães dessa maneira. O normal é mãe pra cá, mãe pra lá...
— Ela sempre fez questão – explicou Gabriel um pouco envergonhado – Veja, quando imitava algum amigo meu, ela exigia! E depois brincava: “Mãe é filho de pobre!”. Não que em algum momento fomos ricos. A frase funcionava mais como uma hipérbole, um exagero, que só serve para afirmar algo e o tornar indelével em nossa mente.
Qual é a origem do seu nome? – perquiriu a Ingridy tentando animá-lo, pois sua expressão agora se encontrava perdida em memórias do passado.
— É holandesa... – respondeu ele ressuscitado sem ter um dedo meu para a réplica (algum momento para as próprias reflexões). Pois, ansiosa como a garota estava, ela imediatamente emendou um pouco mais de alegria a conversa:
— Hun! E vem você me dizer, sem falsa modéstia, que não tem o nome mais importante do que o meu? Pode até não revelar sua posição financeira, mas é imenso em riqueza de significado...
Gabriel se percebeu um pouco embaraçado com o comentário, de fato, não esperava tal pérola. Entretanto, seus olhos se voltaram para Ingridy sem que ele próprio houvesse pedido, ambos, desejando viajar sobre ela.
— O que você acha de me deixar ajudá-la com as suas falas? – somou o poeta tentando disfarçar o embaraço – Pode ser essa mesmo que você está segurando. Vamos até o palco? A jovem aceitou sem hesitar, talvez pelo fato de vê-lo todo corado e novamente sorrindo. Ela sabia que todo homem quando pego desprevenido, sob qualquer aspecto, fica um pouquinho envergonhado perante uma mulher. A personagem Maria do livro Onze Minutos do escritor Paulo Coelho que o diga.
Feito o convite Ingridy levantou-se ajudada por seu mais novo amigo e subiram no palco após cruzarem alguns degraus. Ao fundo enxergava-se facilmente pesadas cortinas pretas que ligavam o teto ao chão, divididas em três pontos; desse modo os atores poderiam surgir para a cena dos cantos ou do meio, conforme o ato ou a pena do escritor assim exigisse. Não havia móvel algum, apenas aqueles arquétipos divinos. Travessia feita dividiram as folhas.
— Posso então? – perguntou Gabriel deixando que seu rosto assumisse a seriedade do momento – Comecemos! ...Não permitas desanimar-te frente ao pequeno amor, pois quando este assim o é, não merece tal jóia prolongar-se nele. É sonho vazio que enegrece a vontade e a faz refém. Permita-se confiar em teu instinto que, em aviso, agora mesmo lhe diz, que sou teu grande e verdadeiro amor.
— Como gostaria de confiar em tuas palavras. – inicia Ingridy – Eu que às vezes tenho tanto medo do novo. Gostaria, nesta primeira hora, de me entregar ao verdadeiro amor, mas onde ele está? Pensava eu que fosse o primeiro, que um dia, noite adentro, toquei com os meus olhos, faces e mãos. Confiei, e toda minha extensão fôra dele... Sempre que penso ter encontrado o amor, este reluz, esgarça e se desfaz, como a espuma branca do mar, que rompe os rochedos beliscando-os um pouco e, num piscar de olhos, desaparece em pranto, deixando úmido o seu lugar de toque. Logo, como podes tu, amar alguém como eu que insisto em viver num mundo donde o amor sopra a morrer suas últimas golfadas? Posto que não sabes, aquele sorriso maroto, aquele soluto enganador que se dissolve em juras e rostos, está a me perder! Tudo a se esvair, corroído por sua própria bela face que, esquecida dos outros, de mim, reflete-se no lago de tantas ilusões e, mesmo agora, não lembra o que antes fôra essencial. Agora sabeis, como o ar se organiza a minha volta e de como me sinto... Assim, pergunto: por que ainda insistes?
O jovem poeta se lembra da marcação de cena, que num dia afoito pacientemente tanto explicara a Bruno, e, como num ato contínuo também fez questão de cumpri-la junto a Ingridy.
— Insisto adorada! Porque o amor é algo insistente. Muitas vezes perdido, insiste em retornar. Quando acreditado morto, insiste em dar sinais de vida. Ferido, insiste em sarar-se. Até quando frente à pequenez costumeira das almas alheias, ainda assim, insiste em aumentar. Por que insisto?, respondo a ti; como causa só faço obedecer minha vontade. Eu que, com o romper do dia, comando homens, pensamentos e vidas, seus frutos sob minha guarda, desejos e destinos, e, na maioria das vezes, torno-me à grata solução. Dobro a realidade às minhas intenções. Porém, à noite é para ti que vão os meus pensamentos, todo gesto insuflado de carinho e beijos que distantes anseiam pelos teus...

Um som os distrai. Içados de memória pelo alarido de muitos passos, não tiveram outra opção além de interromper o ensaio e tornar todas as emoções a si. Várias meninas entraram pela já citada porta que ficou desde o início deste encontro aberta. Algumas das meninas sorriam, outras tentavam entender o que se passava.